Por Taiane Gonçalves Dias

Tenho muitas histórias para contar, universos para explorar, dos quais quero compartilhar...

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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Conto


OBLIVION

As horas pingam no relógio bolorento. Escrevo lento, na esperança de que a inspiração floresça em minha consciência, mas as folhas rabiscadas se aglomeram amassadas na lixeira. Que tormento e escrever, ofício maldito, onde as palavras soltas são confinadas em regras sem fim. Malditas sejam as regras, que aprisionam os versos no domínio das ideias. Signos, símbolos, letras, formam palavras que se conectam sem sentido...
O telefone não toca há dias, nem meus editores me procuram mais, será que fui esquecido?. Meus dias de glória se foram, que deprimente. Terminar a vida como uma mera lembrança, obliterar-se da memória humana, permanecendo como ecos de um fantasma atormentado.
Oh Deus, como fui terminar assim?...
Não me recordo de quando foi à última vez em que coloquei os pés para fora de casa, creio que a vida lá fora me assusta. O sol, o brilho, as cores não se encaixam em minha personalidade insossa.
As cartas chegam aos montes, não abri nenhuma delas. Os livros em minha estante já foram lidos e relidos centenas de vezes. Algumas noites atrás, algo me deixou intrigado, diante da porta encontrei um buquê de flores, com um pequeno cartão escrito ´´saudades``, teria eu o privilégio de ter uma admiradora secreta?...
Que pensamento absurdo. Quem iria se interessar por um homem de meia idade, dogmático, culto, sistemático, com hérnias de disco e sérias disfunções de ordem sexual?
Que loucura...
Na tentativa de não esquecer-me de quem sou eu. Procurei minha imagem em fotos antigas, revirando minhas memórias, encontrei uma imagem significativa, onde eu, vestido com as roupas do time de basquete da escola, sorria. Os cabelos castanhos desgrenhados, um magricela de olhos risonhos e vivos. Hoje, não sei o que é sorrir, e por mais que tentasse, apenas uma face distorcida surgiria em minha imagem, longe de ser um mero sorriso.
Bem, esperei o quanto podia suportar e a loucura já estudava formas absurdas de penetrar em minha mente, como um verme a se esforçar contra uma fruta podre. Recolhi todas as cartas, rasgando-as em plena fúria, revelando contas e mais contas, avisos de cobrança e despejo, até encontrar o que me intrigou de forma assustadora. No remetente;
Aos
Cuidados da Família Bowden e amigos.
De: Cemitério Novo Horizonte.
Abri o envelope um pouco temeroso, com a ideia de que algum parente havia enfim falecido. Havíamos perdido o contato uns com os outros, reunir-se em família era raro, reservado apenas para enterros e condolências. Percorri o texto com olhos lacrimosos.
É com pesar que anunciamos a todos os familiares e amigos o falecimento, do talentoso escritor Alexander Bowden. Em cerimônia de despedida realizada no dia 14 de março, lhe oferecemos nossas condolências e sua última homenagem...
Incrédulo, joguei o papel janela abaixo. Corri para o banheiro em busca dos meus remédios calmantes. Olhei-me no espelho, não me assemelhava a um morto, nem ao menos a alguém que goza da mais perfeita saúde, mas simplesmente parecia apenas vivo...
Meus remédios não estavam lá, haviam desaparecido, senti o palpitar do coração, as mãos suadas e o pânico a se espalhar. Gritei a plenos pulmões, para quem pudesse me ouvir, exigindo respostas...
Teria eu realmente morrido? Como?...
Se aquilo era um pesadelo, eu queria acordar...
Afastei os pensamentos cruéis de minha mente, seria impossível. Que tipo de piada cruel era aquela?
Não acreditando na ideia de minha própria morte, tomei a coragem necessária para abandonar minha clausura, com destino ao tal cemitério. Percorri ruas ermas, escuras e solitárias, cobertas por uma densa neblina, não havia alma viva a perambular...
Em poucos minutos, estava diante dos portões de ferro. Adentrei o cemitério quando a lua estava alta no céu.  
Caminhei entre muitos túmulos e nomes, ecos de um passado em lembranças distantes, perambulei á procura de meu descanso final. Entre muitos e outros, procurei até a exaustão, sem encontrar, súbito a encontrei isolada das outras. Uma lápide simples, com meu nome impresso e a data de minha morte, 13 de março de 2012. Era uma terça feira, mas não me lembro de o que houve neste dia. Pois bem, ainda incrédulo, minhas mãos trêmulas tocaram a pedra fria.
Era inacreditável, incompreensível...Por quê?
Súbito uma ideia absurda surge, ao lado havia uma pá cravada a terra úmida. Comecei a escavar incansavelmente, como um cão faminto em busca do seu precioso osso.  Cavei o mais fundo que pude, retirando a terra vermelha que cobria o caixão, até sentir o ruído leve da madeira de encontro à pá.  Limpei a terra com as mãos, revelando a madeira lustrosa, a pequena tampa acima estava lacrada.
Respirei fundo, fechei meus olhos, limpei o suor que escorria pela face, retirei as travas com cuidado e encarei a face do morto, inchado com os lábios arroxeados e olheiras terríveis, jazia minha matéria quase que irreconhecível. Afastei-me da visão aterradora, descrente, apavorado e perdido...
- Eu morto? Como?...
Ouvi um som fraco de risos, elevei meu rosto molhado e sujo de terra, para encarar a expressão sorridente de uma pequena menina de olhos negros, sentada de forma indolente em minha lapide, cujo os pés diminutos pairavam no ar. Sorria de forma misteriosa, os olhinhos risonhos me fitavam atentos e curiosos.
- Esperei que você caísse na real... demorou heim! Para um escritor você é bem lerdinho...
- Quem é você? -  notei algo diferente naquela pequena de cabelos negros presos em tranças. Usava um vestidinho azul escuro, com uma fita branca enlaçando a cintura.
- Ora..sou a morte quem mais haveria de ser? – colocou as mãozinhas na cintura revelando uma inocência medonha e forçada.
- Eu imaginei uma caveira aterradora com uma foice na mão...
Ela suspirou e revirou os olhos, provável que a minha observação lhe parecesse óbvia demais.
- Posso me apresentar como quiser. Posso ser uma criança, posso ser um velho decrépito ou até a aquela sua vizinha belíssima que você ficava expiando pela janela do banheiro...
Como ela sabia disso, me pergunto, visivelmente ruborizado.
- E então está pronto para partir, agora que sabe que está morto?
-  Partir... – balbuciei, pois a ideia me parecia absurda – como eu morri?
- Suicídio... Não se lembra? – escarneceu – tirou toda a minha diversão, nosso encontro estava marcado somente para o dia 15 de dezembro de 2018. Enfim, você não teve paciência para esperar...  – parecia insatisfeita.
- E como iria ser?...
Ela limitou-se a sorrir.
- Da forma mais criativa possível... – pude ver uma luz tênue malévola em seus olhos inocentes – e então, pronto para ir?
Um turbilhão de ideias confusas giravam sem fim em minha mente. Deixar de existir não estava em meus planos, não daquela forma, tudo bem, admito que pensei nisso diversas vezes quando a depressão me sugava para o fundo do poço. Mas deixar  meu apartamento, meus livros, meus contos ainda na gaveta velha.
- Não quero ir, quero ficar em meu apartamento com os meus livros... Não posso partir...
- Você não pode ficar... – fora bem enfática e até mesmo ameaçadora.
- Por que não posso? Quero ficar...
- Irá ser obliterado, cair no esquecimento... Sem contar os problemas de ordem burocrática que isso iria me causar...
- Tem algo pior do que isso?
- Talvez... Creio que você não tem muita opção...
- Para onde vamos? – perguntei eu em minha total inocência a respeito dos assuntos espirituais, segurei em suas pequenas mãos frias, adentrando a escuridão de encontro a lugar algum.
- Para um lugar que os suicidas merecem, repleto de diversões e aventuras inesquecíveis...

2 comentários:

  1. la.padite@hotmail.comdomingo, 17 junho, 2012

    "Ouvi um som fraco de risos, elevei meu rosto molhado e sujo de terra, para encarar a expressão sorridente de uma pequena menina de olhos negros, sentada de forma indolente em minha lapide, cujo os pés diminutos pairavam no ar. Sorria de forma misteriosa, os olhinhos risonhos me fitavam atentos e curiosos." Adoro isso.

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  2. la.padite@hotmail.comdomingo, 17 junho, 2012

    Ah! Esqueci de dizer... "A Rainha Negra", melhor conto em Anno Domini. Parabéns. =)

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